domingo, 3 de janeiro de 2010

A estátua

Um destes dias, dei por mim em caminhos de cultura. Talvez já não o fizesse faz algum tempo, talvez precisasse apenas de me distrair, mas fui a uma exposição de vários escultores. A arte em si é interessante, mas nunca foi das minhas favoritas, como a escrita, pintura ou música. Gosto de coisas mais directas e quentes e nunca senti isso ante uma escultura. E depois, raramente ou só ás escondidas se pode tocar... e eu sempre gostei de tocar a arte. Isso é mais fácil com uma coisa etérea que nos fode a alma.

Bem, adiante que me perco!

Cheguei a um género de vestíbulo, sei-o agora feito para esconder, para causar sensação. Quando se dava a curva, de repente viamo-nos ante uma estátua imponente, quase mágica...

Quase sem querer, fiquei um pouco sem fôlego e dei um passo atrás. Senti pelo canto do olho que a reacção do visitante incauto era igual. Ficava um oh!, preso no peito.

Era uma escultura de uma bela Vénus...corpo imponente, perfeito, pedra rosa, rosto...rosto de mulher que o sabe ser; majestosa e muito doce.

Aproximei-me mais e de repente parecia macilenta, com pó, desinteressante!
Esfreguei os olhos, não devia estar a ver bem! Aproximei-me mais e voltou a resplandecer como a Deusa, Afrodite. Devia ser a luz, pensei. Algum laivo de luz na pedra...

Fiquei a contemplá-la, parado. A vista não era suficiente para tudo o que queria ver, a obra demasiado boa para ser verdade. O corpo, via-o agora de mais perto, não era tão perfeito assim, a cara fazia ver que era estátua de beleza já roubada...todavia, os braços estavam levantados, as pernas em força e a cara tinha dos mais belos olhos que já vi! Nunca dei muita importância aos olhos de uma estátua, sempre me pareceram desprovidos de vida... Esta todavia, decerto mercê de algum truque ou mestria de arte à muito perdida, tinha cara que expressava, como hoje fosse, a luta das mulheres em mundo de homens, a audácia da que vive, o amor intenso a algo, que transforma ao seu redor.

Posso dizer que fiquei apaixonado, sem dúvida! Que obra de arte! Que portento, a modelo devia ser e a arte que a imortalizou!

Perdido em contemplações, o tempo deixou de fazer sentido, eu respirava mas acho que tinha a respiração sustida, um medo de expirar e de repente deitar abaixo tal obra com minha exclamação, qual Zeus! Pareceram passarem-se dias, semanas, meses...eu em oferenda à minha musa, o sol a passar rápido no chão em mosaico daquela sala!

Aproximei-me ainda mais e o que se passou foi...indescritível.

Finalmente, ousei tocar. De repente, a luz que brilhava nessa pedra da mais fina qualidade, eclipsou-se! O meu sentir fez-me pensar em tirar a mão, todavia era já tarde demais...

Quando a toco, ainda em gesto qual amante que busca o calor que tira a respiração, o mais profundo dos arrepios me percorre o braço e a alma! Os meus dedos ficam colados do frio, tenho de os puxar...e eram tão belos pés! Ah, ilusão!!!

Fria, tão fria que fazia doer as pontas dos dedos...e o resto!

De repente, afasto-me. Eu que não sou dessas coisas, esconjuro o demo!
Como, antes tão bela, tão mulher e agora tão fria que gela o coração?
Não é possível, digo, exclamação caleidoscópica de dor, frustração e incredulidade!

Amaldiçoada, penso eu mas não ouso dizer com medo que seja verdade.
Fico mais calmo, o frio já está a passar e agora olho-a com curiosidade, como criança frente ao espinho da rosa...

Amaldiçoada por alguém ou foi ela que se amaldiçoou? O riso volta-me, ainda que meio nervoso e penso: É uma estátua! É mesmo típico teu...uma dissertação sobre uma estátua!

Vou-me embora todavia a sorrir, era mentira, e era tão bela! Bato com as mãos, a ver se aquecem. Está mesmo frio!

Sorrio, ante a ilusão que eu próprio criara! Uma estátua...!

Sorrio...Saí lá fora e fui andar no meio das pessoas...

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